Rock'n'roll all nite
Naquele mesmo dia, ela tinha lido num site de auto-ajuda (sim, existe, e ela se achava ridícula lendo isso, antes que você pergunte) que a pessoa ao estar num lugar e cheia de amigos, fique sozinho algumas vezes. E assim estará abrindo um canal para a aproximação. Isso mesmo, fazer uma social, sozinha. Besteira, ela pensou. Se todas as vezes que ela ficasse sozinha acontecesse alguma coisa, tantas vezes ficou sozinha num lugar cheio de gente. Besteira.
E foi exatamente isso que ela lembrou ao sair daquele ambiente: banda chata, música chata, a cabeça rodando por ter tomado um negócio que tinha gosto de champagne, mas com certeza não era, não sabia como aquilo a tinha deixado tonta. Reparou neste detalhe, lembrou do site, riu e saiu dali.
No outro ambiente ainda estava sem música, nos preparativos para uma outra atração musical igualmente chata, mas resolveu encostar no balcão, como se fosse pedir mais um logo que terminasse aquele. Ela não ia pedir. Mas ficou lá enrolando mesmo assim. Ela chacoalhava a garrafinha, como se aquilo fosse duplicar a quantidade e ter o que beber até o fim da noite. Ao perceber o ato ridículo, olhou para o lado para ver se alguém tinha visto aquilo. E tinha. Ele a olhava, riu ao vê-la chacoalhar a garrafinha. Ela o percebeu, mas nem deu bola. Só pensava em sentar. Pensava em como estava a cara dela naquele momento, os olhos deviam estar caídos, o pescoço mole e não conseguia desgrudar os cotovelos do balcão. Queria aquelas cadeirinhas que tem as pernas altas que ficam nos balcões. Não tinha nenhuma. Mas para onde levaram as cadeirinhas? E ele a olhava. Ela detesta quando a encaram. Finalmente ela ficou sem graça ao ver o rapaz olhando todos aqueles movimentos e perguntou para ele mesmo: Cadê as cadeirinhas daqui? Não tem umas cadeirinhas? Quero sentar! Ele imediatamente se aproximou, sem necessidade, só para dizer que também não sabia. Ela o reconhecera de outras vezes, de outros lugares, e que nunca tinha reparado nele, que mal teria travar um diálogo sobre cadeiras de balcão? Ela fez a pergunta mais idiota que alguém poderia fazer quando está bêbado para alguém que não conhece, depois já era tarde:
- Como está a minha cara? Estou ruim?
- Não...normal.
- Mesmo? Bebi umas duas dessas e estou meio...tonta!
- Só isso? Ah, isso não deixa ninguém bêbado.
- Talvez eu.
E as demais corriqueiras perguntas se sucederam a essas. Sim, eu venho sempre aqui; eu também já te vi; é, essa banda é muito chata, não curto; não, obrigada, não gosto de cerveja; sério, não gosto.
- Mas e as cadeiras?
Ela estava realmente empenhada em falar sobre cadeiras. Só pra disfarçar, pois para ela quando você fala com alguém, tem que olhar nos olhos e aquela era as primeiras oportunidades de olhar bem para ele, para o seu rosto, seu jeito de falar, seu olhar, e a inexistência de cadeiras no bar era perfeito para ouvi-lo responder que não sabia pela 24ª vez.
Finalmente ele tomou uma decisão sensata:
- Vamos sentar ali, naquela mesa tem duas cadeiras. Vem.
Ah, sim, que delícia. Sentar. Sentar e conversar. Mas o sono começou a tomar conta. Falaram sobre música. Sobre a banda dele. Sobre outras bandas. E entre uma banda e outra um olhar profundo. Vez ou outra um bocejo. Risos.
Na cabeça dela o maldito site veio à tona: e não é que estavam certos? Como isso? Por que dessa vez, em minutos tudo deu tão certo? Foi só uma coincidência. As dicas do site não podiam estar tão certas. Ou podiam, afinal era um especialista que explicava tudo, que dava as dicas. Pois o comportamento do ser humano é previsível. Todo o estudo psiquiátrico é voltado ao comportamento humano em geral. Todos agem iguais. Não tem uma especialidade médica para ela. E outra para ele. Não existe Psicomarialogiadossantos.
Depois de terminar de beber sua cerveja, ele lançou:
- To muito afim de beijar sua boca.
Assim, seco, porém tímido. Em tom baixo, porém direto. Assim, na cara.
Ela riu. Era sua saída quando não sabia o que falar, ela ria. Sorria gentilmente sem graça, esperando que ele entendesse como um sim sem que ela tenha que soletrar. Ele entendeu. É claro que ele entendeu. Mas não quis se precipitar na adivinhação e deu mais uma deixa:
- Vou ao banheiro enquanto você pensa.
Ela ficou sozinha de novo. Mas era diferente. Havia empolgação. Ansiedade. Tudo muda em segundos! Como em meia hora de conversa esse moço conseguiu ser tão legal? Tão tímido mas ao mesmo tempo tão atraente? Como ele conseguiu me aguentar fazendo tantas perguntas? Mexer nos seus piercings? É claro que eu quero ele. Agora. E foda-se o resto. Embora chegando mais alguns “bêbados” para atrapalhar um momento tão decisivo, pacientemente ele os ignorou e esperou o momento certo.
E como já foi dito uma vez, repetirei, abram aspas: “O primeiro beijo de um casal é sempre como o primeiro beijo de suas vidas. Porque nenhuma boca é igual a outra boca que você tocou com sua boca, porque sua boca já não é mais a mesma quando toca uma outra boca, porque duas bocas que nunca se encontraram são duas bocas virgens novamente.” E a boca dele, com os lábios nervosos e a língua trêmula, parecia a boca de um adolescente ao sentir a boca dela. E ela sempre acreditou que um dos momentos mais bonitos na vida de um homem e uma mulher era o momento que as bocas deixam de ser somente carne para transformarem-se na peça perfeita que estava faltando no quebra-cabeça.
Depois do primeiro vieram outros, claro, e a noite foi ficando cada vez mais agradável, eles se tornaram cúmplices ali mesmo, naquele instante. A pior banda era só um detalhe, pois ela estava como sempre quis estar com alguém: encostada no ombro dele, mostrando toda a sua carência até então, ambos assistindo a tal atração musical. Ambos concordando o quanto aquilo estava chato, mas de só de estarem ali, juntos, ficou até legal. Pink Floyd na voz da Janis Joplin cover nunca foi tão bom de ouvir.
I wish you were here.